HOT100

sobre a criação

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O solo THE HOT ONE HUNDRED CHOREOGRAPHERS foi criado para o 15º Cultura Inglesa Festival. Dentro deste contexto, cada artista busca se relacionar com a obra de algum artista britânico. Peter Davies e o seu text-painting The Hot One Hundred foi o ponto de partida para a criação deste solo, criado e dançado por Cristian Duarte, em colaboração com Rodrigo Andreolli.

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THE HOT ONE HUNDRED CHOREOGRAPHERS

Inspirado na obra “the hot one hundred” do artista Peter Davies.

Esta criação me apresentou dois desafios de saída: primeiro, como realizar uma lista com dança, deixando claro que não se tratava de uma representação de trechos de trabalhos de outros coreógrafos. Em segundo, quem são os cem? Tentarei discorrer acerca do modo como trabalhamos, e apresentar algumas pistas sobre o universo estético e conceitual que traçamos com esta criação.

Da escolha dos cem:
Adotei como critério para a elaboração da lista os coreógrafos e espetáculos que, de alguma forma, eu atravessei/atravessaram meu percurso em dança. Muitos dos espetáculos listados eu tive a oportunidade de assistir presencialmente, o que torna minha relação com o coreógrafo/trabalho escolhido mais complexa neste quebra cabeça quantitativo. Outros coreógrafos/trabalhos acabei conhecendo através desta pesquisa no ambiente virtual, que foi compartilhada com Rodrigo Andreolli, colaborador de pesquisa e criação deste solo. Assim, outro critério foi absorvido - o de listar apenas os coreógrafos que tivessem seus trabalhos disponibilizados na internet (youtube, vimeo, website ou similar). Trabalho árduo, pois em alguns casos, encontrávamos apenas o coreógrafo mas não a obra que desejava para a hot-lista. Quando isso acontecia, tínhamos as seguintes opções: escolher outro trabalho, retirá-lo da lista ou buscar o trabalho em outro tipo de acervo. Optamos pela última opção.

Assim, uma lista bastante pessoal começou a ser elaborada, o que me possibilitou reconhecer e pensar sobre minhas próprias escolhas estéticas. Durante o processo a hot-lista apresentou certa flexibilidade, e ganhou status de lista-provisória, uma lista que sempre podia ser alterada, e portanto, sempre se tornava um outra-nova lista.

Talvez, a flexibilidade seja uma estratégia para lidar com a dificuldade de fazer escolhas. Talvez a flexibilidade esteja em mim, por conseguir encontrar mais de cem coreógrafos-espetáculos que considero hot ou, talvez, o meu conceito de hot seja bastante flexível. Em alguns casos, acho mais hot o coreógrafo do que a sua obra, pelo seu modo de existir, pelo conjunto do que faz ou fez, em outros casos a obra seria hot mesmo se fosse anônima.

Alguns nomes e espetáculos entraram e saíram da lista algumas vezes, alguns entraram e ficaram, outros saíram e não voltaram. Busquei defender a legitimidade dos hots pela coerência e integridade em relação as minhas experiências, memórias, percepção e olhar enquanto artista da dança hoje (2011). Me descobri em muitas contradições, mas decidi entender tais contradições como parte de um processo reflexivo, parte daquilo que me coloca em estado de dúvida, e que pode ampliar possibilidades e experiências na minha jornada artística. Fazer uma lista significa também fazer um recorte que separa tudo o que está fora dela. Portanto, esta lista é também um reminder de que existe muito mais, tantas outras centenas, que produziriam tantas outras listas. A lista que apresento com este solo, recorta ao mesmo tempo que solicita uma série de et ceteras, tanto nos trechos selecionados para estudo quanto no que ficou fora da lista.

Como organizar essa quantidade de referências e sobre a formulação coreográfica:
Bastante contaminado pelo livro A vertigem das listas de Umberto Eco, a lista em construção oscilou entre uma lista prática e poética*, pois enquanto lista textual ela era possível e finita - cem coreógrafos e cem obras existentes – punto! Mas, para ser trocada-traduzida para um corpo em movimento e ganhar forma, enquanto formulação coreográfica, necessitava se divorciar de qualquer tentativa de representação e passar a ser entendida como uma lista-índice de uma coleção de et ceteras, priorizando a troca entre lista e forma e considerando os entres.

Como estratégia de estudo, organizamos o conteúdo da lista em elencos formados por coreógrafos-espetáculos com alguma coerência entre eles, ou por afinidade de linguagem, ou por época/contexto. Os elencos receberam apelidos: elenco primordial, elenco judson, elenco impro, elenco cias, entre outros. Esses elencos se tornaram, então, pequenos objetos de estudo, que mais tarde, me fizeram entender que eram também pistas, ou ignições, de algo mais complexo e intangível.

Com uma série de elencos em mãos, lancei-me em um estúdio de dança, em uma virtuose de fragmentações, que além de me proporcionarem horas diante de um computador, me lançaram pelo espaço, me fizeram mover, tornaram minhas possibilidades mais elásticas, tanto fisicamente quanto conceitualmente, e foi dentro desta vertigem, assistindo vídeos, fragmentos, pedaços e experimentando-os, é que visualizamos uma forma.

A forma que encontramos para a lista prática, dialoga com o colorido da obra de Peter Davies e ganha um formato radial que elenca o conteúdo por cores, sem valoração por números e sem garantia de lugar fixo, sintonizado com os entendimentos/estudos de lista de Umberto Eco. Os botões de cores com os respectivos coreógrafos-obras listados, são reposicionados a cada entrada na página da lista no site que a hospeda. Cada botão leva ao link do coreógrafo-obra/vídeo ou site selecionado, que foram encontrados na internet (youtube, vimeo, site...).

O que chamo de lista poética é o próprio espetáculo.

Algumas metáforas/palavras chaves que fizeram parte do processo de criação, que servem como pistas para entender como o material foi tratado chegando a sua resolução atual: satélite, orbitar, hot soup, made in china, index, homenagem, documentação, tradução, estudo, apropriação, crédito, resolução, definição, opacidade, entre-lugar, vertigem, elenco, concentração, irradiação, fluxo descontínuo, gesto, forma, troca, sem parar, mover, movimento, dança.

Cristian Duarte

“A seu modo, as listas práticas representam um forma, pois conferem unidade a um conjunto de objetos que, por mais desconformes que sejam entre si, obedecem a uma pressão contextual, ou seja, são aparentados por estarem ou serem esperados todos no mesmo lugar ou por constituírem o fim de um determinado projeto...Uma lista prática nunca é incongruente, desde que se identifique o critério de inclusão que a regula”.
Umberto Eco em A vertigem das listas.